"No mundo da luz não existe lugar para o cativeiro da alma." M.V.B.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O QUE COMEÇA COMPLICADO...Márcia Villas-Bôas


O que começa complicado, continua complicado. 
Complicado já foi o parto. Na hora H, o neném virou e entalou. Cesariana, naquela época, só mesmo em último caso. Depois de muita luta e sofrimento, a criança nasceu, mas não chorou. Roxinho, não reagia às palmadas veementes e somente quando todo mundo já tinha desistido dele, respirou fundo e chorou um choro fraquinho, sem muita vontade de viver.
Foi uma criança complicada, não gostava de se alimentar e nem de brincar com os meninos da sua idade. Preferia seus amigos imaginários, que lhe falavam de dentro de seus pensamentos.
- É porque demorou muito pra nascer – diziam os entendidos. – A  cabeça dele ficou assim... meio lelé.
E giravam o dedo indicador na altura da têmpora.
No começo, os pais ficavam indignados, mas depois se conformaram em ter um filho assim... meio lelé.
Ele também se adaptou à sua doidice, já que todos eram unânimes em afirmar que sua cabeça não batia bem. Mas também não contava para ninguém as conversas incríveis que mantinha, mentalmente, com seus amigos invisíveis.
O que eles lhe contavam, parecia até ficção. Falavam sobre outros mundos fantásticos, coexistindo com este mundo onde ele estava, tão sem graça em comparação com as maravilhas universais. E, quando a conversa mental acabava, ele ficava sempre na dúvida. Será que escutara mesmo tudo aquilo, ou era maluquice de sua cabeça? Acabava achando que era maluquice mesmo e seguia vivendo, embora julgasse seus dias muito insossos e sem finalidade.
Um dia, depois de uma das longas conversas mentais, uma pergunta se instalou em sua mente e nunca mais o abandonou:
- Afinal, o que estou fazendo aqui? Se vocês são reais e me falam que eu pertenço a um mundo que não é este em que vivo, por que então não me dizem o que faço aqui?
O tempo passou, mas a pergunta continuava a fustigar sua mente. Até que, numa tarde quente de verão, enquanto surgia a primeira estrela de uma noite que prometia ser linda, uma das vozes veio com a tão esperada resposta:
- Você está vivendo num organismo muito precário, onde a memória só permite que se recorde de alguns fatos de sua vivência atual. Por isso não se lembra que se ofereceu voluntariamente para este trabalho. Sua missão, como a de outros voluntários, é ser nosso intermediário. Nós nos ocupamos da evolução espiritual desta sua humanidade, mas não podemos agir diretamente. Precisamos de intermediários. Falamos através de seus lábios, enxergamos através de seus olhos. Quantas vezes você falou sobre assuntos que aparentemente desconhecia? Quantas vezes sentiu seu corpo vibrar e despejar energia sobre tantos sofredores? É através de você que atuamos, que ajudamos a quem precisa, que levamos paz aos desesperados. Você, e tantos outros, são os mensageiros do nosso Amor.
A voz se calou. Um calor já conhecido envolveu seu corpo e suas mãos vibraram, como que tocadas por uma força poderosa.
Em poucos minutos, tudo passou e ele abriu os olhos. Acostumado àqueles estados mentais, logo pensou:
- Mais uma doideira da minha cabeça... Melhor não acreditar mesmo.
Mas... de onde viera aquele pequeno cristal que brilhava na palma de sua mão?
Daquele dia em diante, um sorriso enigmático enfeitou seu rosto, e ninguém mais duvidou de nada. Ele nunca mais duvidou das vozes que lhe falavam, e as pessoas à sua volta não duvidaram também, nem por um minuto sequer, que agora ele endoidara de vez.


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